Relatos de uma Minhoca de sandália e meia branca

quarta-feira, janeiro 27, 2010

A Índia em cinco minutos

A Índia deu-me muitas vezes vontade de rir e de chorar separadamente e às vezes em simultaneo. É um país para o qual temos de ir com a mente em estado de tábua rasa. Desistindo de procurar a lógica nas coisas. Nao acreditanto, porém, em tudo o que nos dizem. A maioria das coisas que nos acontecem e nos sao ditas lá, nao teem lógica mas ficamos muito mais felizes quando nao procuramos aquilo que acreditamos ser o seu sentido e validade.
Exemplos!A cerveja Kingfisher é servida em duas modalidades, uma em garrafa de vidro mais escuro, outra de mais claro. Porque, perguntamos nós. PORQUE É MAIS BONITO!! dizem eles. Servem a clara à noite e a mais escura durante o dia. Porque temos de procurar lógica em tudo, ha??
Queremos um bilhete para um comboio amanha à tarde. Nao ha bilhetes porque o comboio vai ser cancelado. Ai vai? Sim, por causa do nevoeiro. Claro que amanha o nevoeiro pode nem ser tao mau, mas é bom saber que com a ajuda do boletim meteorologico, já se podem tomar decisoes tao cedo. Nao lucramos todos com isso?
Quanto ao típico abanar da cabeca, ao fim de tres semanas, confesso que continuava e continuo sem saber o que significa. Tenho para mim que é um movimento que eles fazem para agitar os neurónios, para pensar. Energia cinética para acordar a massa pensante. Quando a há. E em outras situacoes estao-se a rir da nossa cara. Descaradamente e sem pudor.
A India foi para mim uma revelacao de um número infinito de cheiros que até agora nao haviam visitado as minhas narinas. Concluí uma vez mais que o incenso me perturba. Nao gosto. Descobri que sou muito menos nojentinha do que aquilo que eu achava. Sim, em muitas casas-de-banho tomei banho de chinelos, cumprindo com sucesso a missao de nao entrar em contacto com nenhuma superfície dentro da casa-de-banho. Uma vez, o Bola abriu ao porta quando eu me preparava para sair e perante a possibilidade de a porta me tocar, desatei aos gritos mas rapidamente recuperei a minha compostura. Nao examinei a inexistente limpeza das sanitas, fazia o que tinha a fazer sem olhar muito para superfícies que tivessem a ver com a minha higiene. E fui mais feliz assim. Recebi comida com pelos algumas vezes, mas nao me gregoriei. Comi de bandejas de fruta que me ofereceram nos templos. Nao dei pontapés nos testículos dos indianos que escarravam na direccao dos meus pés. Nao olhei com desdém para aqueles que nunca haviam travado encontro com o desodorizante. Cumprimentei gente que se encontrava em lazer, com uma mao num pé e a outra a escavacar o nariz. Dei um high-five ao motorista do riquexó uma vez, quando na verdade, ele levantou a mao para fazer sinal a alguem atras de mim, sem que eu percebesse. Comi com a mao. Fiz cocó de pé. Fiz cocó com o rabo a arder de malaguetas. Deixei de saber, nesta última situacao, se o meu rabo ainda estava colado ao corpo ou se as malaguetas o tinham feito descolar-se de mim, tal era o ardor. Toquei na pele rugosa dum elefante. Andei descalca em ruas cheias de lixo. Passeei no meio das vacas. Aprendi que um indiano nao se mede aos palmos, mas sim pela forca do seu arroto e da flexibilidade com que faz a ponte para as posicoes mais difíceis do Kamasutra.
E assim se passaram as minhas melhores férias até agora. Carregadas de muito romance e espírito de honeymoon.

Já contei que em Marco vou ao Quénia?

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Varkala, Kerala



Jodhpur





Jaipur



Amritsar, Punjab



Agra


Aeroporto de Nova Deli 02:52 am, 21 de Jan.

Estamos na fila para entrar no aeroporto, cansados, sem dormir há várias horas. Temos que mostrar os passportes e as confirmacoes de reserva, só assim nos deixam entrar. Há vários indianos armados até aos dentes e do lado de fora do aeroporto o povo nao arreda pé, estao ali à porta sem eu perceber muito bem porque, é que realmente ninguem está a distruibir nada de borla. Assim sao os indianos, sabem simplesmente estar. Às minhas costas, arrasto o meu mochilao que felizmente nao tive de carregar muito tempo a fio, apenas transportando-o por breves minutos, do hotel para o carro, do carro para o aeroporto, etc. Mas estou cansada, fecho os olhos, enrolo-me no meu casaco para nao deixar que o nevoeiro se entranhe pelos meus ossos adentro e abraco a mochila mais pequena que trago à frente do corpo. E penso que há umas horas atrás tinha o sol de Kerala a bronzear-me o corpo e vários indianos a contemplar as suas/minhas curvas.
Quando abro os olhos, abro-os para uma indiana à minha frente, também ela enrolada no casaco dela, mas com os olhos a transbordar de água e o queixo trémulo. Nao deve ter mais de vinte anos, mas mesmo assim, nao ponho a mao no fogo pela idade de nenhum indiano, pois adivinhar-lhes a idade nao é muito fácil, especialmente a deles, que me enganam com os bigodes e brilhantina do cabelo. Ela olha para trás por cima do ombro, olhando quase através de mim, para trás de mim e da multidao atrás de nós, e quando os olhos dela páram de procurar e ela tenta sem sucesso esbocar um sorriso, vejo eu um rapazinho indiano também ele de olhos inundados. Ele levanta a mao, como a que dizer, está tudo bem, nao fiques assim, e ela desata aos solucos, limpando as lágrimas com as costas das maos. Quando entrega o passaporte para controlo, está toda desconcertada e aquele queixo já treme por todos os lados, sem qualquer espaco para o sorriso que ela queria tanto deixar na memória do coitado. Antes de ela passar para o lado de dentro do aeroporto, ele empurra o povao para os lados e vem-lhe dar mais um abraco, daqueles abracos que só os homens com agá grande sabem dar. Aliás, até eu lhe queria dar um abraco, de tao emocionante que a coisa estava. Queria envolver-me naquele abraco carregado de tanta emocao e tanta docura, mas a única coisa que continuei a abracar foi a minha mochila com cheiro a caril, nao há nada que me atraia mais do que emocoes fortes.
Sou uma piegas. Porque é que nao havia nenhum indiano de olhos negros ali para me dar um abraco e ali ficar longe, a dizer-me adeus, até eu desaparecer completamente sem que ele parásse de acenar?

Isto para dizer, que odeio as despedidas de aeroporto, mas tanto, que até me doem as despedidas dos outros.

quarta-feira, janeiro 20, 2010

as tipicas secas de aeroporto

Estou neste momento sentada no aeroporto de Trivandrum, onde encontrei UM computador que me permite acesso a internet por 30 rupias cada meia hora. E o unico, portanto sou uma felizarda. Na verdade, tenho tanto sono que se estiver com a cabeca no ar sem a apoiar, corro o risco de cair, ma se este e o unico pc e passa aqui tanta gente gulosa, a querer usa-lo, entao nao saio assim tao depressa.
Alem do mais, o nosso voo esta atrasado. Tivemos poucas experiencias com a Kingfisher Airlines que correram dentro do previsto. Ou houve atrasos, ou foram antipaticos, ou mais atrasos em cima de atrasos. Da proxima vez que vier para estes lados, vou optar por outra companhia, pois as outras alem de ser mais baratas, parecem cumprir melhor os horarios.
Estao 32 graus la fora daqui a 5 horas espera-me um banco no aeroporto de Deli, onde ficarei a secar algumas horas a espera do voo para o Pais das Salsichas, onde ai me espera um frio desgracado e neve em todas as direcoes onde se olha. Mal por mal, aterramos primeiro no frio de Deli que tambem nao e nada suportavel, aliado a sujidade e poluicao caracteristicas da cidade, onde nao pretendo voltar, a nao ser que seja de passagem. Deli nao vale a pena.
Todas as outras cidades por onde andamos foram excelentes destinos, comecando por Amritsar, passando por Jaipur, Jodhpur, Agra (so o Taj Mahal, a cidade e muito feia) e terminando no Sul, no estado de Kerela, que em termos e praia e um verdadeiro paraiso, com a agua do mar quase quente demais.
Todas as pessoas que temos encontrado, com quem metemos conversa, estao ha mais de um mes por aqui e ainda vao ficar outros dois ou tres. Nao conhecemos ninguem que viesse 'apenas' por tres semanas. Que maravilha... onde se vendem vidas destas?
Tenho de me mentalizar que nos proximos dias nao convem abordar elementos do sexo oposto na rua, perguntando-lhes se sao casados e se nao sao, porque...
Acho que estou a dormir em pe... zzzzzhhhh...

domingo, janeiro 10, 2010

Namaskar de Jodhpur

Quatro da tarde em Jodhpur. Estou sentada num indanet cafe, evitando o minimo dos contactos com qualquer superficie a minha volta, uma vez que o meu teclado e praticamente preto de tao sujo que esta. Estou, portanto, a escrever a braille. Mas pronto, aqui teem banda larga, o que nao e de esperar em todo o lado. Aqui tambem dao puns bem alto, daqueles com aroma de caril, mas isso sim, e de esperar em todo o lado. Da mesma forma que e de esperar que todo o homem vai cocar os seus testiculos como quiser, quando quiser e quantas vezes quiser. Da mesma forma que mexem nos pes onde quer qu estejam, mas depois agem com repulsa, se por engano, lhes tocamos com a nossa mao esquerda, quando por acaso eu ate me lavo com as duas. As escarradelas para o chao no inicio chocavam-me, pois vou a circular calmamente e tras, e menos de um metro escarra alguem para o chao, com o meu pe quase a assentar em cima.
Jodhpur tem um forte fantastico, sendo esse o unico detalhe de encanto na cidade. De resto, e mais uma cidade suja, louca, com a particularidade de aqui as vacas proliferarem em muito maior numero de que em qualquer outra cidade por onde ja estivemos. Ver vacas aos magotes comodamente instaladas no meio da rua, sendo que todos os veiculos motorizadas se veem obrigados a passar-lhes grandes tangentes, e um espectaculo interessante e imperdivel. Elas ruminam e la abanam uma orelha, na tentativa infrutifera de se livrarem de mais algumas das centenas de moscas que esvoacam a volta das trombas delas.
Ando ha dois dias com a boca a saber a alho, mas esta comida e tao boa, tao boa que vale o sacrificio. Alem do mais, entre o cheiro a gente mal lavada, a condimentos ou a fritos, o cheiro a alho que provem da minha boca nao me parece assim tao mau. Mas no que toca a cheiros, deixem-me daqui a uns dias relatar de VARANASI.
Hoje esta calorzinho e ja da para andar de manga curta. Nao estamos longe do deserto. A paisagem aqui ja e diferente, menos verde, desertificada, arida, so com pedregulhos. Ficou de lado, para grande pena nossa, a visita a Jaisalmer e a noite que iamos passar no deserto.
Entretanto, ja sei falar indian english, que acho uma verdadeira sensacao! Gosto tanto de ser madam e ver os olhos dos indianos esbugalhados, quando adivinham que por tras da minha t-shirt existem dois seios, como aqueles retratados nas suas esculturas, que acho que toda a mulher ocidental merece ter este ego boost, pelo menos uma vez por ano. Deixem-me acrescentar que me visto de forma bastante conservadora, ja para evitar que as minhas curvas atraiam os olhares destes desgracados, muitos deles ignorando a verdadeira forma do corpo feminimo.
Por falar em corpos e formas, tambem ja vimos um pouco de tudo. Desde queimaduras, a lepra, passando por malformacoes.
Ratazanas tambem as centenas, especialmente aqui na estacao de comboios. Quem me ler, pode pensar que me concentro nos aspectos negativos ou que nao estou a gostar. Muito pelo contrario, apenas ha tantas coisas que me encantam aqui e me fazem tanto querer voltar, que nem sei por onde comecar. Uma coisa vos digo, na India tudo e possivel. E se nao e, indians make it possible for you.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

indanet costs thirty rupees ONLY

Sentei-me aqui num computador do hotel onde estou, em Jaipur na India, para escrever sobre a India. Mas nao sei como, nem por onde comecar. A India nao se pode explicar por palavras. E um pais cheio de contrastes, mas se for por aqui, vou comecar a repetir-me e a dizer tudo aquilo que o lonely planet diz. E algo me diz que o lonely staff nao gosta de plagio.
Acho que ja perdi um kilo ou dois. Adoro a comida indiana. Mesmo quando traz um ou outro pelo de brinde. Mesmo quando me manda para a casa-de-banho e so de la saio depois de muito sofrimento e um anus em brasa.
Nao posso estar aqui e esperar que ajam comigo de forma ocidental, ao fim de 4 dias consigo ver isso claramente. A forma de pensar ocidental aqui nao existe. E sim, os indianos quando olham para os europeus veem um euro gigante com pernas e comeca a caca as rupias. Abre a boca para dar uma informacao e estende a mao, dizendo com a maior cara de pau: twenty rupees please.
E um pais fascinante, onde a miseria nos passa a frente dos olhos o tempo todo. Acho que ainda nao da para escrever sobre a India, talvez apenas quando regressar. Se quiserem que ensine a abanar a cabeca como so os indianos sabem fazer (nao mexendo os ombros) ou cocar os testiculos indian style, isso sim posso explicar. Para mais, ainda preciso de tempo. Estou a gostar muito.
E nao vou contar a ninguem que quando hoje do meio da neblina, o Taj Mahal brilhou no meu plano de visao, me emocionei. Tao lindo.