Relatos de uma Minhoca de sandália e meia branca

terça-feira, dezembro 23, 2008

atirem-me

O ser humano além de influenciável, adapta-se, para o bem e para o mal. Eu estranho chegar ao País das salsichas depois de me ir embora daqui e também estranho quando ao fim de vários meses em convivencia com o povo alemão, chego a Portugal e passo os primeiros vinte minutos a ouvir as conversas IMPORTANTÍSSIMAS de telemóvel das pessoas ao meu lado, na fila para o táxi, à espera da mala, a comprar bilhete para o comboio, no café, etc. Porque chega a minha mala no aeroporto de Munique em 15 minutos e em Lisboa não, penso.
Só porque moro na Alemanha, deixo de ter o direito de fazer a crítica a muitas coisas neste país, Portugal, que é o meu, só porque em muitas coisas, prefiro o outro lado? Deixo de poder dizer que talvez a Alemanha seja um país um pouco mais civilizado, considerando este ou aquele factor? Não devia estar a usar pontos de interrogação, arrisco-me a que a caixa dos comentários exploda, mas perguntas retóricas nunca fizeram mal a ninguém.
Por outro lado, o silêncio ensurdecedor no aeroporto do Munique, que só é interrompido pelos passos dos viajantes a caminho do tapete das malas, também é algo que acho triste e me faz sentir vazia por dentro. Mas nesta constatação de factos acerca de um país e doutro é mais fácil, quando ataco as Salsichas, porque é esse o registo predominante do meu blog. Atacar o inimigo. Como emigrada que sou e venho aqui cuspir neste prato de faiança de qualidade que é o meu país, aí ninguém tolera a minha crítica. Erguem-se as vozes eça queirosianas e apontam-me o dedo, chegando mesmo a colá-lo à ponta do meu nariz dizendo não mancharás a honra do teu país nem o criticarás. Honra empregados de lojas, cafés e todos os taxistas que te saírem na rifa. Não olharás de lado para quem te chamar menina. Não reprovarás sotaques lisboetas ou jargão nortenho. Aliás, faz a a mala e volta para esse país de onde vieste.
Pois.
É difícil exprimir uma opinião, quando me vêm aqui parar sempre meia dúzia - na melhor das hipóteses - de gente que na verdade não quer dizer nada, mas quer deixar um tom amargo na caixa dos comentários, porque no fundo me vê como uma traidora. Como posso eu abandonar a minha terra e depois regressar, fazendo elogios ao estrangeiro, àquilo que nos é estranho e que não tem a nossa marca? Marca essa que todos gostam muito de exprimir, de peito inchado, caracterizada pela nossa hospitalidade e todas aquelas coisas que nos abstraem dos verdadeiros e vários problemas que se vêm arrastando há muito tempo.
Atirem-me pedras se eu gosto dum país organizado, que não me faz esperar meia hora para pagar uma camisola. Um país que também já viveu melhores dias e que apesar de a troco de impostos elevados, garante um nível de vida mais justo para mais pessoas. Um país que, com todas as falhas dum sistema social que não é perfeito, protege e estimula a maternidade. Atirem-me pedras por eu achar que os clientes devem ser tratados com alguma simpatia e profissionalismo. Mais pedras ainda por eu achar que aqui as estradas sao mal sinalizadas e as pessoas conduzem irresponsavelmente. E atirem-me pedras por eu não entender porque é quando vou ao continente comprar dez coisas, me metem tudo em onze sacos. Qual é a ideia???? Ter material q.b. em casa para asfixia? Ontem era o dia mundial do polietileno e ninguém me disse?
Sim, há o perigo de generalizar, o drama dos estereótipos. Bla bla bla bla bla...
Mas atirem-me rosas por aqui eu me sentir verdadeiramente em casa, o ar me cheirar sempre muito mais puro e me alegrar por pagar um café sem ter de receber o troco em silêncio. Já não estou habituada aos olhos dos estranhos, que me olham com vontade de conversar, falar do tempo ou perguntar se hoje não está mais um (são tantos) dia de sol. Atirem-me rosas por, apesar de as modas colarem como lapas, haver coisas muito mais bonitas, roupa, casas, praias, vegetação e sentido de humor apurado.
Quando se emigra, a relação com o país de origem é igual à relação com o país acolhedor. Amor-ódio. Não há como contornar isto. Ganham-se mais hábitos, ou melhor dizendo, outros hábitos. Quando me fui embora de Portugal levava hábitos que foram (tiveram de ser) limados. Quando regresso, esses mesmos que foram limados têm de ser reajustados. Uns custam mais do que outros. Mas esta vida ambivalente, entre duas culturas tão diferentes, que se completam em mim, é algo que considero precioso. Vivo em osmose. O meu coração é português, mas com uma grande simpatia por tudo o que é alemão. Ou quase tudo. Porque foi o país que me acolheu, onde sempre fui bem tratada e onde sou feliz, podendo viver em segurança. E vamos lá a destruir esse mito de que os alemães não são um povo simpático. Não é justo e não é verdade. Sou casada com um e estou disposta e enviá-lo para testes.

5 comentários:

Anónimo disse...

olá Minhoca!
Atiro-te bolas de berlim...rs....pois concordo com o que dizes, também sou emigrante e não é por isso que só devemos ver o lado bom do país de origem ou de onde se vive.
Também quero dizer que estive em alguma cidades da Europa eu e meus amigos concluímos que foi na Alemanha que se encontrou maior simpatia.
Feliz Natal e adoro ler teu blog!!

Anónimo disse...

Minhoca, agora que estou descobrindo o teu blog, acho que vou fazendo por aqui umas visitas...
Quanto ao que dizes do povo alemão, deixa-me dizer que este ano passei o mês de Julho em Berlim e devo dizer que ADOREI! Tirei da minha cabeça o preconceito de que os alemães são um povo frio e antipático. Nada disso!
E digo mais: fiquei impressionada com a organização e alguns costumes deles, nos quais me faz salientar em como nós portugueses por vezes somos uma camada de saloios...

Tagaxinho disse...

Ganda minhoca pah!

So pa dizer k tb sou É-migrante e sei bem do k tás a falar...

Alto blog!

Micas disse...

Assino por baixo do que escreveste. Tb vivo na Alemanha, sou casada com um alemão e adoro cá estar. Gosto de ir a Portugal para apreciar e dar mais valor às coisas boas que o meu país ainda tem, mas acho que já não conseguia viver em Portugal, de férias sim, para viver é na Alemanha que tenho a minha casa e onde me sinto verdadeiramente feliz e completa. Parabéns pelo excelente post.

Anónimo disse...

Querida minhoca, há uma razão principal pela qual, sempre que posso, venho visitar o teu blog:
o sentido de humor refinado e a boa disposição que inspiras.
Mas depois de ler este teu post há uma outra razão para continuar a ler-te: a sinceridade das tuas palavras.

Eu nunca emigrei, nunca quis sair de Portugal, nem tive na família pessoas próximas que fossem emigrantes. Contudo, admiro quem o é ou faz, pelas variadíssimas razões (que agora não interessam), pois partiram para longe à procura de desafios novos.

Portugal é o país que amo, mas tal como na família que nos "calha" por vezes gostássemos de mudar uma ou outra coisa, no nosso país acontece exactamente o mesmo.
O segredo está precisaamente nesse pormenor da questão: amar. E amar não é aceitar tudo o que existe e defender com unhas e dentes sem fundamento (para isso existe o futebol). Amar um país é uma comunhão profunda que se estabelece com uma terra, com cheiros, com nomes, com lugares. E essa comunhão só o é quando se renova a cada instante e a cada momento elevamos.
Tu és feliz na Alemanha, muitos na tua condição o serão no Brasil, na Austrália, na Guiné, no Canadá... eu sou em Portugal. Mudaria muita coisa neste país? Sim, mudaria. Renasceria outras? Sim, renasceria. A vida é isso mesmo: mutante.
Não são os lugares que fazem as pessoas, são as pessoas que fazem os lugares.

(também detesto ser mal atendida em qualquer lugar, mas a propósito: ontem estive na Massimo Dutti no Vasco da Gama e fui muto bem atendida! Mas eu sei escolhê-las! ;-) )