Relatos de uma Minhoca de sandália e meia branca

terça-feira, novembro 27, 2007

sentimentalismo barato

Tenho, entre muitas outras imagens (daquelas que incluem o palhaco batatinha), uma que me ficou de crianca, da minha mae no quarto dela, a espreitar por detrás da cortina enquanto choramingava silenciosamente. Do outro lado da rua, cá em baixo, estava o meu pai com um senhor, que tinha acabado de lhes comprar o carro que eles tinham tido durante alguns anos e que tinham trazido de Africa. Um Datsun, modelo nao sei. Ora, a minha mae certamente que queria um carro melhor, mas estava habituada àquele, tinha certamente uma série de lembrancas acopladas ao mesmo, algumas delas que eu espero nunca vir a saber. Os nossos pais sao puros e se fizeram marmelada algum dia, foi daquela com marmelos mesmo, que se faz no Outono e ao fogao. Daquelas lembrancas que sei, imagino por exemplo, o meu vomitado das idas à Covilha talvez ainda presente nos estofos, as viagens até ao Algarve com o rabo quase a arrastar no asfalto ou das emboscadas que eles faziam quando ainda viviam em Mocambique e se podia conduzir, como eles contam, sempre a direito. O carro preparava-se para partir, levando com ele uma bagageira cheia de recordacoes. Nao é um tema que nos surpreenda, nós mulheres, temos muito esta tendencia melodramática de colocar valor sentimental em quase tudo. Até nos cactos. Quantas de nós nao suspiram por terem que se desfazer duma t-shirt de tao velha que está, mas que foi nessa mesma t-shirt que aquele gajo giro me despejou o seu copo de cerveja na queima das fitas de 1989.... qualquer coisa assim.Pois. Tanto para dizer que agora que chega a altura de sair desta cidade parola e provinciana, comeco a sentir-me como a minha mae atrás do cortinado a olhar para o carro. A unica diferenca é que eu nao tenho um objecto físico onde colocar o meu sentimentalismo barato. Eu quero ir, mas tenho óptimas recordacoes deste sítio aqui no fim do mundo. Foi onde eu e o Bola juntamos os trapos e onde passámos a partilhar a nossa vida a dois. E recomecar num sítio novo tem tanto de excitante como de difícil. Quero, mas dá trabalho.

2 comentários:

Cromossoma X disse...

Como te compreendo! Quando deixei Cardiff e o sítio aonde tinha vivida na faculdade 3 anos senti um aperto tão grande! Eu fui tão feliz ali! E sabes que mais? Nunca mais fui capaz de lá voltar... Hei-de ir breve mas tenho deixado no fundo da minha memória as minhas recordações e tenho medo de as destruir se lhes tocar...

Os teus pais também são de moçambique?! Engraçado! Sabes, sempre achei que os meus pais viviam um outro mundo que não era o meu, sempre a suspirar por Africa. De um certo modo eles ainda vivem lá porque nunca conseguiram cortar defenitivamente as amarras psicológicas...
Mas gora percebo porque és tão divertida! As pessoas que tiveram em África, e os seus descendentes por arrasto, teem um carisma diferente, uma aura que brilha sempre mais...

Graça disse...

é dificil deixar algo que nós amamos.

Abraço