O ser humano além de influenciável, adapta-se, para o bem e para o mal. Eu estranho chegar ao País das salsichas depois de me ir embora daqui e também estranho quando ao fim de vários meses em convivencia com o povo alemão, chego a Portugal e passo os primeiros vinte minutos a ouvir as conversas IMPORTANTÍSSIMAS de telemóvel das pessoas ao meu lado, na fila para o táxi, à espera da mala, a comprar bilhete para o comboio, no café, etc. Porque chega a minha mala no aeroporto de Munique em 15 minutos e em Lisboa não, penso.
Só porque moro na Alemanha, deixo de ter o direito de fazer a crítica a muitas coisas neste país, Portugal, que é o meu, só porque em muitas coisas, prefiro o outro lado? Deixo de poder dizer que talvez a Alemanha seja um país um pouco mais civilizado, considerando este ou aquele factor? Não devia estar a usar pontos de interrogação, arrisco-me a que a caixa dos comentários exploda, mas perguntas retóricas nunca fizeram mal a ninguém.
Por outro lado, o silêncio ensurdecedor no aeroporto do Munique, que só é interrompido pelos passos dos viajantes a caminho do tapete das malas, também é algo que acho triste e me faz sentir vazia por dentro. Mas nesta constatação de factos acerca de um país e doutro é mais fácil, quando ataco as Salsichas, porque é esse o registo predominante do meu blog. Atacar o inimigo. Como emigrada que sou e venho aqui cuspir neste prato de faiança de qualidade que é o meu país, aí ninguém tolera a minha crítica. Erguem-se as vozes eça queirosianas e apontam-me o dedo, chegando mesmo a colá-lo à ponta do meu nariz dizendo
não mancharás a honra do teu país nem o criticarás. Honra empregados de lojas, cafés e todos os taxistas que te saírem na rifa. Não olharás de lado para quem te chamar menina. Não reprovarás sotaques lisboetas ou jargão nortenho. Aliás, faz a a mala e volta para esse país de onde vieste.
Pois.
É difícil exprimir uma opinião, quando me vêm aqui parar sempre meia dúzia - na melhor das hipóteses - de gente que na verdade não quer dizer nada, mas quer deixar um tom amargo na caixa dos comentários, porque no fundo me vê como uma traidora. Como posso eu abandonar a minha terra e depois regressar, fazendo elogios ao estrangeiro, àquilo que nos é estranho e que não tem a nossa marca? Marca essa que todos gostam muito de exprimir, de peito inchado, caracterizada pela nossa hospitalidade e todas aquelas coisas que nos abstraem dos verdadeiros e vários problemas que se vêm arrastando há muito tempo.
Atirem-me pedras se eu gosto dum país organizado, que não me faz esperar meia hora para pagar uma camisola. Um país que também já viveu melhores dias e que apesar de a troco de impostos elevados, garante um nível de vida mais justo para mais pessoas. Um país que, com todas as falhas dum sistema social que não é perfeito, protege e estimula a maternidade. Atirem-me pedras por eu achar que os clientes devem ser tratados com alguma simpatia e profissionalismo. Mais pedras ainda por eu achar que aqui as estradas sao mal sinalizadas e as pessoas conduzem irresponsavelmente. E atirem-me pedras por eu não entender porque é quando vou ao continente comprar dez coisas, me metem tudo em onze sacos. Qual é a ideia???? Ter material q.b. em casa para asfixia? Ontem era o dia mundial do polietileno e ninguém me disse?
Sim, há o perigo de generalizar, o drama dos estereótipos. Bla bla bla bla bla...
Mas atirem-me rosas por aqui eu me sentir verdadeiramente em casa, o ar me cheirar sempre muito mais puro e me alegrar por pagar um café sem ter de receber o troco em silêncio. Já não estou habituada aos olhos dos estranhos, que me olham com vontade de conversar, falar do tempo ou perguntar se hoje não está mais um (são tantos) dia de sol. Atirem-me rosas por, apesar de as modas colarem como lapas, haver coisas muito mais bonitas, roupa, casas, praias, vegetação e sentido de humor apurado.
Quando se emigra, a relação com o país de origem é igual à relação com o país acolhedor. Amor-ódio. Não há como contornar isto. Ganham-se mais hábitos, ou melhor dizendo, outros hábitos. Quando me fui embora de Portugal levava hábitos que foram (tiveram de ser) limados. Quando regresso, esses mesmos que foram limados têm de ser reajustados. Uns custam mais do que outros. Mas esta vida ambivalente, entre duas culturas tão diferentes, que se completam em mim, é algo que considero precioso. Vivo em osmose. O meu coração é português, mas com uma grande simpatia por tudo o que é alemão. Ou quase tudo. Porque foi o país que me acolheu, onde sempre fui bem tratada e onde sou feliz, podendo viver em segurança. E vamos lá a destruir esse mito de que os alemães não são um povo simpático. Não é justo e não é verdade. Sou casada com um e estou disposta e enviá-lo para testes.